9 de janeiro de 2014

Resenha: As intermitências da morte

As intermitências da morte é um romance de 2005 do literato português José Saramago. A edição que possuo é a da Companhia das Letras e, como comentei na resenha sobre O Conto da Ilha Desconhecida, ela traz na capa uma ilustração do artista Arthur Luiz Piza.

"Pensa por ex. mais na morte, - & seria estranho em verdade que não tivesse de conhecer por esse facto novas representações, novos âmbitos da linguagem.
Wittgenstein"
É com essa frase que somos recebidos por Saramago em seu romance, que assim como tantos outros tem algumas características que nos permitem identificá-lo logo nos primeiros parágrafos como mais uma das histórias do autor. Isso porque ele tem uma forma de escrever inconfundível, com parágrafos intermináveis, uma ironia afiada e a habilidade de criar romances surpreendentes de situações fantasiosas - seja uma cegueira branca que atinge a todos, uma eleição em que todos votam em branco ou, como nesse caso, a morte que resolve tirar férias em um país.

É a partir desse acontecimento inesperado que nossa história se desenvolve. Um belo dia, ninguém mais morreu em um certo país fictício que Saramago não nomeia - assim como também não nomeia nenhuma das suas personagens. Além da fronteira tudo continua em sua mais perfeita ordem, porém, na nação em que a história se passa os doentes à beira da morte nesse estado continuaram, aqueles que sofriam acidentes antes fatais passaram a agonizar em uma vida eterna. E assim, em uma primeira parte do livro, o que vemos é o narrador nos contar as consequências dessa situação anomala e os paradoxos da ausência da morte nas diferentes esferas da sociedade.
Eis que um dia a morte (assim, com letra minúscula mesmo) aparece em forma de carta, e anuncia que a partir daquele dia em diante as pessoas tornariam a morrer no tal país, porém agora receberiam com uma semana de antecedência um envelope lilás que anunciaria o irremediável. A partir daí aos poucos o tom da história vai mudando, o narrador devagar abandona o plano geral e a análise das discussões e reflexões coletivas para se voltar a nossa protagonista, até então bastante discreta, a morte.
"Enfim, de deus e da morte não se têm contado senão histórias, e esta não é mais que uma delas."
E com o passar das letras a morte para nós vai ficando cada vez mais humana. Isso porque o impensável acontece: uma carta lilás não é entregue. A morte tenta reenviá-la uma, duas, três vezes e a bendita retorna ao escritório. Ela decide investigar quem é a tal pessoa que burlou o destino e assim, ao ver-se forçada a perambular pela Terra, ela apresenta suas diversas facetas e personalidade a nós leitores.


Escrito todo em terceira pessoa, o narrador se faz de nossos olhos e nos deixa estar e acompanhar não somente os atos, mas os pensamentos e sentimentos das personagens. Vez ou outra, vira-se para o leitor e com ele conversa - a oralidade na escrita de Saramago torna a leitura dinâmica.
As intermitências da morte é uma leitura tanto. Nos faz pensar em diversas questões relativas a única certeza humana, a morte. Desde as reflexões de âmbito coletivo, sobre meios e modos da política à religião até uma faceta mais pessoal, da morte próxima, sobre o amor. Ao falar da morte, Saramago nos faz pensar sobre a vida. 

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